Cidades com alma
Criado nos anos 1980, nos Estados Unidos, e ainda pouco difundido no Brasil, o conceito de placemaking (criação de lugares, em tradução livre) tem amparado cada vez mais os projetos de espaços públicos. Trata-se de um processo de planejamento, criação e gestão que estimula a interação entre as pessoas e propõe a transformação dos pontos de encontro de uma comunidade (parques, praças, ruas e calçadas) em lugares mais agradáveis e atrativos.
Acima, Ponte da Mobilidade (à esquerda), em Copenhague, e projeto Metropol Parasol, em Sevilha: exemplos de espaços públicos que deram certo e mudaram a rotina das cidades. Crédito: divulgação/J. Mayer H. Architects
Para ajudar na criação de espaços que favoreçam a convivência entre as pessoas e a troca com a cidade, foi publicado em 2015 “Guia do Espaço Público”, de autoria de Jennifer Selaimen Heemann, uma das fundadoras da ONG Bela Rua, e Paola Caiuby, criadora e diretora da organização Conexão Cultural. A publicação é baseada na experiência adquirida pela dupla junto à organização não governamental Project for Public Spaces, de Nova York, que ajuda pessoas a criarem e manterem espaços públicos capazes de construir comunidades mais fortes. “Um espaço público é um lugar onde ninguém se sente inadequado, que acolhe da mesma forma um executivo e um morador de rua”, diz Paola Caiuby.
O projeto Chicago Riverwalk deu vida a um convidativo passeio ao longo da orla da cidade norte-americana e criou um local com atividades esportivas, café e até táxis aquáticos. Crédito: Ross Barney Architects
Na Prática
Por definição, o placemaking é um conceito amplo e uma ferramenta prática para melhorar um bairro, uma cidade ou uma região. Ele compreende etapas como planejamento, desenho, gestão e programação de espaços públicos, facilitando a criação de atividades e conexões (culturais, econômicas, sociais e espaciais) que vão definir aquele local e dar suporte à sua evolução. De acordo o guia prático, para ser bem-sucedido, um espaço público precisa ser:
1. Acessível, ou seja, oferecer facilidade de acesso a todos;
2. Ativo, o que implica ter atividades diversificadas e múltiplas formas de uso;
3. Confortável, com lugares para sentar e outros atributos que o tornem convidativo;
4. Sociável, funcionando como um espaço onde as pessoas se encontram, interagem e até se conhecem.
Conheça, a seguir, projetos de espaços públicos que se tornaram lugares de intercâmbio e vem contribuindo significativamente para a revitalização das comunidades em que estão inseridos e para a apropriação das cidades pelas pessoas.
Patrimônio preservado
A revitalização da praça principal de Zadar, na Croácia, preservou o patrimônio histórico municipal e deu novas perspectivas ao turismo local. Crédito: Damir Fabijanic / Kostrencic-Krebel
Comandado pelo escritório Kostrencic-Krebel, o projeto de renovação da Praça Sime Budinic, a principal do centro histórico de Zadar, na Croácia, foi feito em 2013 e deu uma nova perspectiva ao turismo da bela cidade litorânea, conhecida pelos tesouros históricos e edifícios fundamentais para a cultura mediterrânea.
O principal objetivo dos arquitetos foi integrar o patrimônio arquitetônico das épocas medieval e romana, como os achados arqueológicos encontrados no centro da praça, a 1,60 metro de profundidade, à vida contemporânea de Zadar, preservando o espaço público funcional.
Além de construir uma vitrine de vidro para que a população possa contemplar as relíquias, foi criada uma praça com pavimento contínuo, área de convivência e espaço para eventos culturais. Os estabelecimentos comerciais ao redor, como cafés e restaurantes, tornaram o espaço ainda mais atraente. Desde inauguração, Sime Budinic se tornou um dos passeios preferidos em Zadar e ponto central na rota turística do centro velho da cidade.
Arte e revitalização
Em 2012, o centro de São Paulo ganhou o complexo Praça das Artes. Projetado pelo escritório Brasil Arquitetura, o espaço é hoje palco de exposições e área de convivência. Crédito: Nelson Kon/divulgação
Palco de apresentações musicais e exposições, a Praça das Artes, na região central de São Paulo, é também sede da Escola Municipal de Música e da Escola de Dança de São Paulo, além de parceira de eventos importantes do calendário cultural paulistano, como a São Paulo Fashion Week e a Mostra Internacional de Cinema.
O espaço escolhido para receber o projeto é um terreno nas imediações do Theatro Municipal em forma de ‘T’, que liga a Rua Conselheiro Crispiniano, a calçada da Avenida São João e o Vale do Anhangabaú. Desde o início, o objetivo foi criar uma área que contornasse o antigo prédio tombado do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e que tivesse uma forma mista de edifício e praça.
Dessa ideia, nasceu a Praça das Artes, projetada pelo escritório Brasil Arquitetura, de Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz, e ponto fundamental na revitalização cultural do centro histórico. A primeira parte do complexo foi inaugurada no final de 2012. Ao todo, são quatro edifícios, distribuídos em uma área de 29 mil m². Segundo os arquitetos, a proposta foi criar espaços de convivência a partir da geografia urbana, da história local e dos valores contemporâneos da vida pública.
O projeto ganhou o Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte na categoria Melhor Obra de Arquitetura (2012), foi eleito o Edifício do Ano pelo Icon Awards (2013), promovido pela publicação sueca Icon Magazine, e foi finalista da premiação Mies Crown Hall Americas (2014), criada pelo Illinois Institute of Technology (IIT), de Chicago.
Ponto de encontro
Bicicletários, jardim e mobiliário urbano foram as apostas do projeto que transformou um terreno abandonado em uma simpática praça na cidade polonesa de Gora Pulawska. Crédito: S.Zajaczkowski/3×4 Architects
Como transformar espaços mal aproveitados áreas de convivência e lazer? A partir desse questionamento, a prefeitura da pequena Gora Pulawska, na Polônia, decidiu fazer de um terreno ocioso no centro da cidade um espaço de lazer que atendesse plenamente os anseios da comunidade por mais lugares de convivência.
A missão de dar vida a um espaço público que fosse único na cidade foi encomendada ao escritório 3xA. Inaugurado em 2014, o projeto inclui áreas de lazer e de descanso, espaço ao ar livre equipado com bancos e perfeito para reuniões e eventos culturais, além de pérgolas com mesas e assentos destinados favorecer a integração entre os moradores. Bicicletários, painéis informativos e arbustos completam o programa arquitetônico.
Marco contemporâneo
Exemplo de espaço público bem-sucedido, o complexo Metropol Parasol, construído na Plaza de la Encarnación, em Sevilha, se tornou o principal ponto de encontro na cidade espanhola. Crédito: J. Mayer H. Architects
O premiado arquiteto alemão Jürgen Mayer-Hermann costuma dizer que o sucesso de um projeto acontece quando as pessoas trazem vida para determinado lugar. O Metropol Parasol, em Sevilha, na Espanha, ilustra perfeitamente o pensamento do arquiteto alemão. Inaugurado em 2011, na Plaza de la Encarnación , o complexo é a maior estrutura de madeira já feita no mundo e transformou uma área degradada em eixo central da cidade, com mercado, museu, terraços panorâmicos, praça e espaços para eventos.
Hoje, a vida em Sevilha está intimamente ligada ao que acontece no Metropol, mais conhecido como Las Setas de La Encarnación (“Os Cogumelos de Encarnación”), por causa da forma da estrutura, semelhante a de cogumelos. O objetivo de Mayer foi que a região abandonasse a vocação de lugar de passagem e se tornasse um local de convivência. Para isso, ele apostou em estratégias como aumento da segurança, melhoria da acessibilidade e implantação de quiosques. O projeto se tornou o grande cartão-postal de Sevilha.
Vista para o mar
Depois de passar mais de 40 anos abandonado, o porto de Tel Aviv, em Israel, foi totalmente renovado em 2008 e hoje é um marco vibrante na cidade. Crédito: Iwan Baan / Mayslits Kassif Architects
Situado à beira-mar, com uma das vistas mais impressionantes para a segunda maior cidade de Israel, o Porto de Tel Aviv estava negligenciado desde 1965, quando deixou de ser usado para ancoragem de embarcações.
Em 2008, um projeto de renovação encabeçado pelo Mayslits Kassif Architects não só recuperou essa parte única da cidade como a transformou em um marco urbano vibrante e importante. Desde o início, a ideia do concurso público era criar um espaço aberto à comunidade e também restaurar os antigos hangares do porto.
A proposta vencedora do foi tão bem aceita que o local se tornou um ponto turístico mesmo antes de o projeto ter sido concluído. Segundo os arquitetos, “o projeto foi uma oportunidade única de construir um espaço público que desafia o contraste comum entre o privado e público, sugerindo novas possibilidades para espaços abertos coletivos”.
O local é hoje palco de acontecimentos públicos, políticos e sociais, que vão de comícios a atrações artísticas, passando por atos públicos de solidariedade, o que comprova o sucesso da reinvenção do antigo porto.
Valorizando a acessibilidade
Projetada pelo artista dinamarquês Olafur Eliasson, a Ponte da Mobilidade reduziu as distâncias para quem circula a pé ou de bicicleta pela região portuária de Copenhague. Crédito: divulgação
No final de 2015, Copenhague, cidade que se tornou referência em ciclismo urbano e fomentou a discussão da importância da construção de cidades para pessoas, inaugurou mais um marco importante, a Ponte Circular – ou Ponte da Mobilidade, como vem sendo chamada.
Dedicada exclusivamente a pedestres e ciclistas, a estrutura foi desenhada pelo badalado artista Olafur Eliasson, com o objetivo de reduzir as distâncias percorridas por quem transita pela região portuária. Inovador, o projeto prevê também espaços de encontro e lugares amigáveis para as pessoas se instalarem.
Pouco tempo depois de sua inauguração, a ponte já havia se consolidado como novo marco arquitetônico da capital dinamarquesa.
Novas conexões
Previsto para ser concluído até o final de 2016, o projeto Chicago Riverwalk deu à cidade norte-americana uma nova visão sobre o aproveitamento das margens de seu principal rio. Crédito: Ross Barney Architects
O curso principal do Rio Chicago tem uma história que, em muitos aspectos, espelha o próprio desenvolvimento da cidade. No século 19, tornou-se um importante apoio para o progresso industrial da cidade, o que afetou sensivelmente a qualidade de suas águas.
Essa história começou a mudar em meados dos anos 1990, quando o arquiteto e urbanista Daniel Burnham (1846-1912) introduziu uma nova visão sobre o aproveitamento das margens e pôs em prática um projeto de recuperação para fins ecológicos, recreativos e econômicos. O grande passo foi a despoluição das águas, que custou US$ 10 milhões.
A partir de 2009, a revitalização ganhou novo impulso com o projeto Chicago Riverwalk, que propôs a construção de um passeio ao longo da orla com mais de seis quadras de extensão. A três primeiras fases do projeto já foram finalizadas e estabeleceram uma nova conexão com a cidade, enriquecendo a vida ao longo do rio, onde passaram a circular barcos de passeio, caiaques e táxis aquáticos. Um teatro a céu aberto, restaurantes, café, uma escadaria escultórica e árvores que garantem sombra e temperaturas mais amenas já estão à disposição da população. O término do projeto está previsto para este o final de 2016.
Sob as pontes nova-iorquinas
Criada em Nova York, a iniciativa Under the Elevated busca transformar espaços ociosos sob pontes, viadutos e estações de metrô em lugares úteis à comunidade. Crédito: divulgação
Como seria se os espaços ociosos embaixo de pontes, viadutos, estações de metrô e estradas fossem transformados em ativos valiosos para a comunidade? Esta é a proposta do projeto Under the Elevated, desenvolvido em Nova York pela organização não governamental Design Trust for Public Spaces em parceria com o Departamento de Transporte.
Na cidade onde as áreas não utilizadas equivalem a quatro vezes a do Central Park, a organização, que foi responsável pelo estudo que deu origem ao High Line Park, desenha projetos voltados a transformar radicalmente o tecido urbano. O primeiro piloto será instalado em uma área industrial de Sunset Park, no Brooklyn. A ideia é reconectar os moradores com a água, melhorar a qualidade de vida, aumentar a segurança dos pedestres e facilitar o acesso dos trabalhadores às indústrias, além de servir de teste para as estratégias de desenho urbano, iluminação e infraestrutura verde, que devem ser replicados em outras regiões da cidade.
Créditos: Texto Tatiana Engelbrecht
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Publicado em: 16/07/2016
Categoria: Arquitetura e cidade