Cidades Caminháveis
Quando falamos em mobilidade urbana uma das primeiras coisas que nos vem à mente é o uso de bicicletas e uma proximidade com o transporte público, de preferência multimodal.
De fato, essa é uma combinação essencial como solução ao caos urbano em relação ao excesso de tráfego de veículos, mas muitas vezes nos esquecemos do meio de locomoção mais natural e intrínseco, que é o caminhar.
Times Square antes e depois do fechamento das ruas para pedestres
Você pode pensar que o maior benefício da caminhada está relacionado à saúde e, sem dúvida, você está certo. Andar melhora nosso humor, diminui o risco de estresse e ansiedade com a redução do cortisol, influenciando diretamente nossa saúde e sensação de bem estar. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde) “a inatividade física foi identificada como o 4º maior fator de risco de mortalidade global causando cerca de 3,2 milhões de mortes no mundo”.
Mas que tal explorar um pouco mais sobre os impactos de se criar cidades caminháveis, sob uma abordagem multidisciplinar e uma perspectiva mais integrada?
A verdade é que planejar cidades que estimulem a circulação de pedestres tem benefícios que vão muito além dos relacionados à saúde, passando por aspectos sociais, ambientais, econômicos, de segurança e até políticos.
Vamos entender um pouco mais quais são e como se mostram esses benefícios sob cada concepção:
Social
O design urbano pode fortalecer ou enfraquecer os valores de um lugar. Desenvolver o entorno pode aumentar a conscientização da história local, ajudando comunidades a construir uma identidade cultural permitindo que as pessoas se preocupem com o bairro em que vivem.
Existe uma forte correlação entre o ambiente construído e o sentimento de pertencimento a uma comunidade. Um estudo irlandês mostrou que os residentes que vivem em bairros caminháveis exibem níveis pelo menos 80% maiores de capital social do que aqueles de bairros que não oferecem essa opção.
Em 2013, um grupo de residentes de Ghent, na Bélgica, sugeriu à cidade a ideia de construir uma rede de zonas sem carros. O projeto obteve grande sucesso e nos anos subsequentes cresceu em popularidade e tamanho. Em maio de 2015, as ruas mais movimentadas foram fechadas ao tráfego e convertidas por 10 semanas em Living Streets, com parques e bares pop-up, a fim de ajudar os locais a socializar e relaxar.
La Rambla – Barcelona
Ambiental
A diminuição da dependência de recursos não renováveis é sem dúvida um dos principais fatores que estimulam a busca por alternativas nos meios de locomoção. Em 2011 os combustíveis fósseis contribuíram com 83% do consumo mundial de energia, em 2014 esse consumo cresceu 0,8% e os principais especialistas estimam que a Terra só tenha 56 anos em suas reservas de petróleo.
A qualidade do ar também é outro fator preocupante. As áreas urbanas têm dificuldade em absorver poluentes e cerca de 50% da população urbana global experimenta uma poluição 2,5 vezes superior às recomendações da OMS.
Várias cidades já estão experimentando a ampla gama de benefícios de criar lugares para caminhar e aumentando a infraestrutura verde. Ambientes de caminhada projetados para acomodar vegetação robusta e sombreado podem reduzir as temperaturas da superfície entre 1° e 12°C além de auxiliar na melhoria da qualidade do ar e no aumento da superfície permeável para drenagem de água, contribuindo para a gestão do escoamento das águas pluviais, que tem sido uma preocupação crônica para as cidades.
E ainda é possível ir além. Com o avanço da tecnologia, já podemos contar com uma placa de absorção que converte energia cinética em elétrica, ou seja, ela funciona como um tapete capaz de produzir energia através de uma simples pisada no caminhar dos pedestres, podendo ser aproveitada como um recurso suplementar para abastecer edifícios e espaços públicos.
Econômico
Os ambientes caminháveis não são apenas mais saudáveis, mas também mais ricos. Pesquisa recente encomendada pela Living Streets mostra que tornar os lugares melhores para a caminhada pode aumentar o ritmo do comércio em até 40%. Usando recibos de imposto de vendas para comparar a atividade de varejo antes e depois do redesenho da rua, o Departamento de Transporte da Cidade de Nova York recentemente provou que a transformação de uma área de estacionamento subutilizada em uma praça com fluxo de pedestres no Brooklyn levou a um aumento de 172% nas vendas no varejo.
De acordo com o mesmo departamento em Londres, os pedestres costumam gastar 65% a mais que os motoristas. Em Dublin, a remodelação do templo Bar District levou a um aumento de 300% no índice de emprego na região.
Outro segmento que se beneficia é o imobiliário. Os valores da terra e das propriedades são indicadores do nível de atratividade e desejabilidade de um bairro. Devido a níveis mais elevados de segurança, acessibilidade e qualidade de vida, as regiões aumentam significativamente seus valores imobiliários.
O sistema de ferramentas Valuing Urbanm (VUR) demonstrou isso exemplificando como no The Cut, em Londres, um recente investimento de £ 3 milhões no alargamento do pavimento, plantação de árvores, melhoria da iluminação e criação de espaço para refeições ao ar livre, aumentou os preços dos imóveis locais em mais de £ 9,5m.
Umbrella Street – Aguenta – Portugal
Segurança
Investir em um urbanismo que prioriza a caminhada e o pedestre pode reduzir significativamente o número de acidentes. A OMS revela que mais de 270 mil pedestres perdem a vida nas estradas mundiais a cada ano, representando 22% do total de 1,24 milhões de mortes por tráfego rodoviário.
Como as iniciativas ‘Vision Zero’ em todo o mundo estão provando, melhorias de segurança para pedestres também melhoram a segurança de motoristas, proporcionando uma solução de duplo ganho. Um corte de apenas 5% na velocidade pode resultar em uma redução de 30% em acidentes fatais.
Apesar da ideia tradicional de que a segurança pode ser alcançada apenas separando fluxos de carros e pedestres, o compartilhamento do espaço rodoviário também pode reduzir o risco de acidentes promovendo comportamentos responsáveis dos condutores, e isso pode ser alcançado através do design urbano.
Além disso, tornar os espaços mais caminháveis não afeta a segurança apenas em relação ao trânsito mas também gera o aumento da vigilância passiva. A segurança é uma característica que todos os bairros se esforçam para alcançar e enquanto as cidades ao redor do mundo investem no aumento de sistemas eletrônicos de segurança, soluções de design urbano que incentivam a caminhada, atraem pessoas aos espaços públicos, resultando, como pela teoria de Jane Jacobs, nos “olhos da rua”, em que se gera um monitoramento natural e ativo da paisagem urbana pelos próprios cidadãos.
Um ambiente sustentável pode, naturalmente, auxiliar na prevenção de crimes. De acordo com a chamada “teoria das janelas quebradas”, a negligência com a qualidade do ambiente urbano se relaciona diretamente com a aumento dos comportamentos anti-sociais, como o vandalismo ou outras formas de crimes, levando um sentimentos de insegurança aos cidadãos. Em Kansas City, o crime na Kessler Park caiu 74% após 4,2 milhas ao redor ser transformada em área livre de carros nos fins de semana.
Kit de Design Urbano oferecido em Los Angeles
Político
A fim de assegurarem a sua competitividade em uma arena global, mais e mais cidades estão se voltando para a construção de uma marca que represente sua identidade, e demonstre sua liderança, especialmente em termos de políticas ambientais e inovação. Isso fornece visibilidade, legitimidade e poder de decisão para governança da cidade. Neste cenário, andar é cada vez mais uma agenda política enquanto as cidades lutam para reduzir carros.
À medida que as cidades continuam a competir entre si para atrair capital, andar pode ser uma ferramenta bem sucedida para a promoção de uma cidade próspera. Investir em espaços públicos itinerantes pode ser um catalisador para a regeneração, tornando as cidades atraentes para investimentos privados e proporcionando benefícios econômicos para as comunidades. Em 2015, alterações urbanas para melhoria do uso dos espaços por pedestres, levaram Melbourne, na Austrália, a ser reconhecida como a 5ª cidade mais habitável do mundo.
De acordo com o estudo do tráfego Ranking Walkable Urbanismo da Escola de Negócios da Universidade de Washington: “As áreas com infraestrutura caminhável e próximas ao metrô têm PIBs substancialmente maiores per capita e percentuais de graduados em universidades com mais de 25 anos”. Charles Landry – especialista por trás do conceito de “Cidade Criativa “- afirma que hoje, ao decidir onde morar, 64% das pessoas escolhem a cidade antes da empresa ou do trabalho. Ou seja, se pessoas com maior nível de qualificação profissional estão priorizando morar em lugares com mais qualidade de vida, as empresas também já identificaram que se instalar em cidades que oferecem esses benefícios lhes garantirá acesso a esse público.
Outros dois benefícios para a política das cidades ao investirem em urbanismo de qualidade para os pedestres está na atração do turismo e na redução de gastos públicos principalmente em relação à manutenção da estrutura viária e saúde pública. O custo da saúde relacionado à inatividade física continua a aumentar globalmente. De acordo com estudos, representa 1,5% – 3,0% dos custos diretos totais de saúde nos países desenvolvidos.
Em relação ao turismo, cidades como Barcelona combinanam a regeneração do espaço público, social e ambiental gerando benefícios com um processo de criação de marca. Desde a década de 1980, a cidade implementou uma política espacial pública que envolve a derrubada de antigas fábricas e armazéns e a criação de centenas de novos parques, praças e passeios, incluindo a regeneração do cais e a recuperação de 4,5 km de praia. Essas políticas transformaram drasticamente o perfil internacional de Barcelona, impulsionando o número anual de visitantes a de 1,7 para 7,4 milhões nos últimos 20 anos.
A pedestrianização do lado norte de Trafalgar Square, em Londres, trouxe um aumento de 300% no número de visitantes. O mesmo aconteceu para a Times Square. Depois que se tornou exclusiva para pedestres, agora é atravessada por 300.000 pessoas a cada dia, incluindo muitos turistas, e é o lugar mais visitado globalmente.
Como vimos, os benefícios são impactantes e englobam muitos e diferentes aspectos. Nesse contexto, vemos como imaginar e construir cidades voltadas para as pessoas é um caminho poderoso para o desenvolvimento integral das cidades. Esse direcionamento incentiva as pessoas a terem uma voz ativa nas mudanças de uma cidade, contribuindo para a tomada de decisões políticas e o desenvolvimento de ações que melhor se adequam às suas necessidades e aspirações.
As cidades podem capacitar cidadãos responsáveis e participativos promovendo modelos econômicos colaborativos. Vale a pena nutrir essa ideia e essas ações, não?
Crédito: Texto Natacha Rossetti
Fonte: Cities Alive – ARUP 2016
Posts relacionados
Publicado em: 17/11/2017
Categoria: Arquitetura e cidade