Em movimento
Formado em Arquitetura e Urbanismo, com mestrado em Planejamento Urbano e Regional, Ricardo Corrêa sempre foi de um lado para outro de bicicleta. “Para mim, o carro nunca foi uma opção automática. É uma prisão”, diz. Nascido em Porto Alegre, ainda criança mudou-se com a família para São Paulo. É na maior cidade do país que ele pedala desde os tempos da escola. A paixão pela liberdade de ir e vir no seu tempo e poder pensar na vida enquanto pilota sua magrela o acompanha desde sempre. “De maneira quase infantil, a bicicleta representa a liberdade.”
Adepto de todos os meios de transporte, desde que usados com inteligência, Ricardo Corrêa acredita que a questão da mobilidade no Brasil é tão ou mais importante que a da moradia. Crédito: divulgação
O lazer virou negócio. Em 2007, Ricardo fundou a TC Urbes, empresa de consultoria em urbanismo especializada em mobilidade, acessibilidade e requalificação do espaço urbano. O projeto nasceu do grupo de estudos Ciclovias Urbanas, criado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). É ainda coautor do livro “A Bicicleta e as Cidades Brasileiras” e criador da marca de bicicletas Urbana, desenvolvida especialmente para as cidades brasileiras.
Adepto de todos os meios de transporte, desde que usados com inteligência, o urbanista acredita que a questão da mobilidade no Brasil é tão ou mais importante que a da moradia e assegura que a mobilidade urbana é uma poderosa ferramenta de inclusão social. Em seus projetos, defende o diagnóstico de cada rua, de cada bairro, de cada cidade, considerando fatores como clima, geografia e cultura como caminho possível para chegar às soluções adequadas a cada situação. “A cidade é feita pela mão do homem e resulta do esforço coletivo. Para construirmos cidades para pessoas, é fundamental pensá-la dessa maneira.”
A seguir, Ricardo fala sobre soluções para a mobilidade, o papel do carro na nossa sociedade, a eficácia de intervenções urbanas simples e seu conceito morar com qualidade. “Morar bem é ter liberdade. É isso o que a gente procura.”
Para o urbanista, o homem criou condições para que as cidades fossem tomadas pelos carros. “O problema é que o sistema automobilístico chegou ao limite, não só no Brasil, como em muitos outros lugares”. Crédito: divulgação
Como você avalia a questão da mobilidade hoje e o papel do carro em nossa sociedade?
A cidade é feita pela mão do homem e resulta do esforço coletivo. O carro nada mais é do que a consequência de uma construção de cidade, de um processo de urbanização. Os subúrbios norte-americanos começaram a se formar antes mesmo da existência do carro. Quando as distâncias começaram a aumentar e o cavalo e a bicicleta já não estavam mais dando conta, o automóvel entrou em cena para aumentar o conforto nos deslocamentos.
Claro que depois disso o processo de espalhamento das cidades acelerou. Mas não existe vilão, o próprio desenvolvimento do homem no território deu subsídios para o carro se transformar no que é hoje. A necessidade faz o produto. O Facebook só existe porque as pessoas passaram a querer se comunicar dessa forma, não o contrário. Sempre na história da humanidade foi assim. O carro não é o vilão, o homem é o lobo do homem, como disse Thomas Hobbes. O homem criou condições para que a cidade fosse tomada pelo carro. O problema é que o sistema automobilístico chegou ao limite, não só no Brasil, como em muitos outros lugares.
Como as soluções para melhorar a mobilidade urbana podem reverter esse quadro especialmente nas grandes cidades brasileiras?
Os conceitos de mobilidade e acessibilidade são muito amplos, envolvem desde uma cidade até um prédio, uma casa. A mobilidade urbana está diretamente ligada à mobilidade social. Ao contrário do que se convencionou pensar, a inclusão social não está no acesso ao consumo, mas sim no acesso à cidade.
No Brasil, as pessoas passaram a ter mais facilidade em comprar carro achando que teriam acesso à cidade, mas não têm. Faltam escolas decentes, saneamento básico de qualidade, coleta de lixo satisfatória, ruas asfaltadas, ou seja, grande parte da população não está inserida de fato na vida urbana. É preciso pensar as cidades e a vida das pessoas de forma muito mais ampla.
Tenho a certeza de que, quando encontramos nosso modelo urbano, assim como países como França, Alemanha, Holanda e até a China encontraram, a distribuição de renda vai acontecer naturalmente.
O Brasil é um país de escala continental e clima tropical. Não existe nenhum outro nessa condição. Poderíamos ditar soluções para meio mundo, já que os países mais desenvolvidos estão no hemisfério norte. Nossas questões e necessidades não são as mesmas que as deles.
Vamos pegar o exemplo de Rio Branco, no Acre. A primeira vez que visitei a cidade, há dez anos, e me deparei com guias de 60 cm de altura nas ruas, pensei: “Nossa, a mão de obra aqui deve ser muito ruim, como é que um deficiente vai acessar isso?”. Bom, depois passei nove meses praticamente morando lá e vi que, no período de chuvas, as ruas enchem d’água. E essa foi a melhor solução encontrada para drenar essa água – uma drenagem que foi pensada para um país como a Holanda ou a Alemanha, onde chove constantemente o ano todo, mas de maneira pífia se comparado às chuvas tropicais. Portanto, o sistema de drenagem deveria ser pensado a partir dessas particularidades, isso iria inverter completamente a lógica da cidade.
Nós temos um monte de coisas legais, música, arte, mas ainda não temos relação com a terra. O planejamento urbano deve ir muito além da relação de proximidade com o trabalho. As questões fundamentais ainda não estão postas
Como a apropriação do território pode mudar a realidade brasileira?
Em um país como o nosso, em que a maior parte da população tem pouco acesso à renda e, portanto, à cidade, essa é uma questão fundamental. Nós ainda olhamos para a Europa e os Estados Unidos como um espelho, mas eles não nos veem como semelhantes. Para eles, ainda somos exóticos.
Nós precisamos nos apropriar desse exotismo, da nossa relação com o clima e com as chuvas e de tudo o que temos de positivo para criar cidades à brasileira. Só assim vamos conseguir construir cidades mais igualitárias, mais justas. Ao simplesmente replicar modelos, estamos sempre alguns passos atrás.
Enquanto estamos discutindo a redução de velocidade em São Paulo, a Inglaterra e a Alemanha já fizeram isso há 40 anos. Ou seja, não estamos criando nada. No nosso trabalho, o planejamento urbano com o qual nos preocupamos é bem diferente do europeu, do norte-americano. Lógico que bebemos dos acertos que eles tiveram, fazemos certa antropofagia desse processo, mas tropicalizamos as soluções, não dá para apenas replicar.
Vou citar um exemplo. Você sabe por que os cruzamentos das ciclovias na Holanda e Alemanha são pintados de vermelho? Para aumentar o atrito dos pneus das bicicletas com o chão e facilitar a frenagem nos dias de neve. E aqui nós pintamos por quê? Podíamos ter outro tipo de sistematização, mais apropriada ao nosso clima.
Acima, imagem da proposta da TC Urbes para a requalificação da Praça da Bandeira, em São Paulo: o projeto, que propõe a reestruturação urbana na escala do pedestre e a retomada da relação com a água, recebeu o Prêmio Destaque no concurso A Cidade Somos Nós, promovido pelo Sindicato da Habitação de São Paulo e pelo Institute for Transportation & Development Policy. Crédito: divulgação
Essas situações são reflexos de quê? Da cultura de subestimar etapas essenciais, como planejamento e projeto?
O 7×1 é isso, né? Estamos em São Paulo, que é a cidade da mais organizada do Brasil, mas que poderia ser muito melhor se tivéssemos mais planejamento. Mas ainda reproduzimos o modelo transitório de quando a família real veio para cá. Temos uma cidade transitória, um país transitório, em que as pessoas vêm para ganhar dinheiro e ir embora, é aquela história do país de oportunidades.
Quando começarmos a pensar no território de maneira eterna, como acontece em países como, de novo, a Holanda, onde o planejamento urbano é projetado para 200 anos, nossa realidade vai mudar. É preciso entender que o planejamento territorial está ligado ao econômico, e não o contrário. O planejamento econômico não gera planejamento territorial.
Partindo desse raciocínio, o ideal seria desenvolvermos as pequenas e médias cidades do interior do Brasil. Em uma cidade grande, há muito mais interesses comerciais e políticos ligados aos processos, é mais difícil mudar. Se conseguirmos melhorar o interior, pensando como o planejamento urbano pode transformar a vida das pessoas, aí sim faz sentido planejar cidades grandes, porque elas vão começar a diminuir.
Ao criar grandes cidades, estamos concentrando riqueza e gerando pobreza. Quando se dissolve a população e a infraestrutura pelo território, a riqueza também é distribuída.
Com uma população cada vez mais urbana, que caminhos você vê para acomodarmos tanta gente nas cidades sem torná-las inviáveis?
É preciso dizer que 100% da população mundial já vive em cidades, no sentido de que o campo hoje é também um espaço urbano. Essa visão de que, em 2007, um chinês migrou do campo para a cidade e a população mundial passou a ser 51% urbana é romântica. Todas as relações comerciais do planeta hoje se dão com as cidades.
A pessoa que está no campo, assiste à TV, tem celular, acesso à internet, as entregas são feitas no campo praticamente da mesma forma como na cidade, não tem muita diferença. Antes de ser um morador do campo ou da cidade, ele é um consumidor. Ou seja, voltamos à questão da inclusão pelo consumo. Se passarmos a incluir essas pessoas pela infraestrutura, elas provavelmente vão optar por manter seu modo de produção e permanecer no campo.
Isso para dizer que as cidades não precisam continuar crescendo. Elas podem continuar crescendo, mas não precisam. Essa questão está atrelada a diretrizes de planejamento social que não diretrizes exatamente econômicas, porque as relações econômicas já estão postas talvez desde a revolução francesa.
Tem se repetido muito um discurso norte-americano e europeu de que as grandes cidades precisam ser adensadas, que as pessoas precisam morar perto do trabalho etc.. Sim, isso é óbvio. Mas como uma pessoa que vive hoje no bairro do M’Boi Mirim vai morar em Pinheiros, onde ela trabalha?
Em uma sociedade desigual como a nossa, é difícil esse raciocínio fazer sentido. A infraestrutura das cidades precisa ser mais igualitária. Por isso, a pergunta que devemos fazer não é exatamente que cidade nós queremos, mas que sociedade nós queremos. Se não fizermos essa reflexão e seguirmos copiando modelos de sociedades que estão em estágios muito diferentes do nosso, vamos continuar concentrando renda e excluindo grande parte da população.
Qual é a solução para termos infraestruturas e cidades mais igualitárias, como você diz?
O primeiro ponto é que ainda não sabemos quem somos nem como deve ser a nossa cidade. A questão da mobilidade hoje no Brasil é tão ou mais importante que a da moradia. Em várias cidades grandes, como Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, há quem prefira morar na rua porque levaria três horas para chegar ao trabalho e outras três para voltar; é inviável. Então, elas preferem dormir em algum lugar no centro, perto do trabalho, mesmo que seja na rua.
E não estamos falando que 10% da população tem dificuldade de se locomover, estamos falando da maioria, 70%, 80%. Como temos um país muito grande, nosso trabalho como urbanistas não é pensar na relação comercial da construtora com o cliente, mas sim na relação do lote com a cidade e de que forma a iniciativa privada pode dar contrapartidas para melhorar o espaço urbano. O poder público não vai resolver tudo. Então, se cada empresário começasse a pensar seu lote de um jeito diferente, se estabeleceria uma rede. Se tivermos consciência disso, podemos começar a colocar questões mais assertivas.
Para Ricardo, apesar de ainda serem necessários ajustes, São Paulo está no caminho no que se refere às ciclovias e à criação de um novo modelo de mobilidade. “No sistema cicloviário, as pessoas têm escolhas, estão livres”. Crédito: divulgação
Como você vê as ciclovias hoje em São Paulo? E em que medida a cultura do deslocamento de bicicleta é importante?
Com um sistema cicloviário seguro, as pessoas têm tempo de pensar, diferentemente de quem está preso no trânsito, preocupado se vai ter a carteira roubada, se tem que descer no próximo ponto, enfim que está lá aprisionado. No sistema cicloviário, as pessoas têm escolhas, estão livres. A bicicleta, de maneira quase infantil, representa a liberdade, independentemente da condição social.
Na gestão do Kassab, nós fizemos um trabalho que serviu de base para o Plano de Diretrizes e Propostas para a Mobilidade Sustentável de São Paulo. Parte dos 400 quilômetros de ciclovias que temos hoje vem desse movimento. Apesar de achar que há soluções sendo postas em prática sem o devido planejamento, o importante é que São Paulo está começando a questionar determinados modelos.
Assim como Nova York, nossa cidade é uma ilha – embora, Nova York seja, de fato, uma ilha. Mas, pensando na conjuntura do país, São Paulo funciona mesmo como uma ilha do capital. O transporte aqui é muito bom, principalmente se comparado ao restante do Brasil. Nós temos opções. A bicicleta é uma opção.
Eu sempre andei de bicicleta em São Paulo. Há dois anos, praticamente não existiam ciclovias na cidade e, mesmo assim, eu preferia andar de bicicleta aqui a pedalar nos 300 quilômetros de ciclovias do Rio de Janeiro. Aqui a segurança é muito maior, existe uma humanização que talvez venha da própria discussão sobre a mobilidade, que existe há mais tempo. E chegou a hora de fazer alguma coisa. Estando certo ou errado, o Haddad está fazendo, e isso é um grande avanço em uma cidade que passou quase seis décadas sem questionar o modelo.
Por que você acha que as ciclovias de São Paulo não são o ideal?
Estamos criando um modelo. E a inovação sempre traz erros que vão sendo corrigidos durante o processo, é natural. São Paulo está no caminho. A ciclovia pode não ser a ideal hoje, mas talvez seja parte de um processo para chegarmos ao ideal amanhã.
Nos anos 1970, foram cometidos na Europa erros semelhantes aos que estão sendo feitos em São Paulo. Falando tecnicamente, estamos caminhando para uma rede cicloviária – e não para um sistema cicloviário. A diferença é que um sistema, mesmo que incompleto, estará sempre completo, porque envolve educação, gestão e a própria infraestrutura. Tudo é pensado de maneira sistêmica.
Quando temos um sistema, ele é o mesmo em São Paulo e em Rio Branco, por exemplo. No sistema cicloviário, as pessoas vão pedalar com a mesma segurança aqui ou em qualquer lugar do país, tudo funciona de forma quase intuitiva. Você pode dizer para seu filho de oito anos: “Pedale sempre à direita”. Se ele estiver sempre à direita, estará no lugar certo. Não vai precisar procurar a ciclovia. E esta, por sua vez, não estará no canteiro central quando deveria estar à direita, isso não acontece. Sistemas se integram e interagem. Não temos isso ainda em São Paulo.
Na Holanda, as soluções foram sendo aprimoradas até evoluírem para um sistema. Em São Paulo, isso também vai acontecer, só espero que não demore 50 anos.
Você acha possível requalificar a paisagem urbana sem fazer grandes transformações?
Não acredito em acupuntura urbana, ou seja, quando se gasta muito dinheiro em um determinado lugar achando que aquilo vai melhorar o entorno. Não aconteceu isso na Sala São Paulo, por exemplo. Foram investidos milhões na reforma e a sala virou uma ilha, aonde as pessoas chegam de carro e vão embora correndo, com medo, não tem um barzinho, vida noturna, nem nada em volta.
Mas ações de urbanismo leve, que envolve promover pequenas mudanças a partir de um novo olhar, podem dar resultado. Por exemplo, por que não temos uma sinalização indicativa para pedestres contando a história de algumas ruas, dizendo onde fica determinada loja, restaurante, museu etc.? Poderia ser um sistema compartilhado, que motivasse as pessoas a caminharem, a fazerem percursos diferentes. Mesmo uma pessoa que anda a pé, há lugares por onde ela nunca vai passar no próprio bairro onde vive. Ela pode nunca saber que dois quarteirões abaixo da casa dela há uma loja que é o máximo. Ações como essas poderiam impulsionar o comércio e melhorar as relações sociais.
A ideia é mais ou menos essa: por meio de pequenas qualificações e infraestruturas simples é possível transformar a paisagem. Poderíamos pensar ainda em ciclovias arborizadas, bancos para as pessoas se sentarem instalados nos lugares certos, prédios com serviços no térreo. Mas, para que essas soluções sejam efetivas, o primeiro passo é fazer um bom diagnóstico. Na Paulista, por exemplo, tem um banco em frente ao Sesc, que está fechado. É o único lugar que tem para sentar em uma avenida com três quilômetros de extensão e que comportaria uma linha de serviços muito maior.
Ao defender pequenas qualificações e a instalação de infraestruturas simples como forma de transformar a paisagem, o urbanista diz que a Avenida Paulista, por exemplo, poderia abrigar uma linha de serviços muito maior, como bancos para as pessoas se sentarem. Crédito: divulgação
Que lugar você considera inspirador do ponto de vista de uma cidade para pessoas?
Eu gosto muito de Rio Branco, é uma cidade com ótima infraestrutura, apesar de não ser um município com alto poder aquisitivo. Conheci bem a cidade porque trabalhamos no plano de mobilidade lá e vi que há soluções muito interessantes. O sistema cicloviário local tem cerca de 120 quilômetros [uma das maiores redes cicloviárias per capita do Brasil]. A ponte estaiada é exclusiva para ciclistas e pedestres.
É a única cidade que eu vi em que o dinheiro público rende. Eles tinham uma verba do Ministério das Cidades para fazer três quilômetros de calçada e fizeram cinco quilômetros. O planejamento do sistema de ônibus tinha uma previsão de ser realizado em 12 anos e está sendo feito em oito. Tem wi-fi livre em 80% da cidade. Claro que não é a cidade ideal – aliás, acho que não existe cidade ideal –, tem vários problemas ligados à drenagem, à pobreza etc. Mas é uma cidade participativa, onde as pessoas se envolvem e são envolvidas nas discussões.
Você acredita em uma sociedade mais colaborativa como uma experiência transformadora?
Eu acho que o ser humano está aprendendo a ser colaborativo. Talvez eu não tenha essa resposta construída, mas o que deu certo no carro, por exemplo, foi o individualismo. O individualismo, o conforto, a liberdade – antes da saturação dos sistemas viários, claro. O celular é outro caso, porque possibilitou o individualismo e, ao mesmo tempo, a interação social. As pessoas não precisam mais se deslocar para interagir.
Acho que a natureza do ser humano é individualista. Por uma questão de necessidade e esgotamento, estamos começando a reavaliar esse modelo e a pensar de maneira mais coletiva, percebendo que o velho chavão “a união faz a força” faz sentido. As pessoas estão despertando para a força da coletividade. Um exemplo recente é a Primavera Árabe e todas essas mobilizações organizadas pelas redes sociais. Hoje, temos mais ferramentas para exercitar esse pensamento coletivo, mas o ser humano não mudou. Talvez isso aconteça no futuro, mas ainda não aconteceu.
O que é morar com qualidade para você?
É uma questão bem complexa. Eu tenho uma filhinha de um ano e pouco, então meus paradigmas mudaram bastante nos últimos tempos. Antes de ela nascer, eu achava que morava com qualidade; agora, tenho minhas dúvidas. Mesmo antes de existir a ciclovia da Paulista, eu vinha de bicicleta para o escritório.
Moro na Ana Rosa, em um conjunto de prédios com um pedacinho de mata atlântica, não tem área de lazer, mas tem toda a área verde de que preciso, é muito bacana, faço piquenique ali dentro. Trabalho num prédio que não é exatamente glamoroso, mas que tem comércio no térreo, serviço na sobreloja, vários apartamentos, transporte fácil. Só é difícil chegar de carro, mas chego facilmente de ônibus, metrô, bicicleta e a pé. Normalmente, venho de bicicleta. Procuro fazer no meu dia a dia aquilo que falo para as pessoas fazerem e também porque assim consigo controlar muito mais o tempo. Mas, voltando à pergunta, morar com qualidade é poder fazer tudo sem precisar usar o carro ou sem ser refém dele. E a cidade ideal é aquela que tem uma infraestrutura torna isso possível para todos e não só para quem mora em regiões mais centrais.
Criador da marca de bicicletas Urbana, pensada para as cidades brasileiras, Ricardo não abre mão de fazer a maior parte dos deslocamentos sobre duas rodas e afirma que morar com qualidade é não ser refém do carro. Crédito: divulgação
Quando começamos a usar menos o carro, nos damos conta de como é libertador sair desse modelo quase automático, não?
Para mim, o carro nunca foi uma opção automática. É uma prisão. A sociedade faz com que você leve o carro e não o carro leve você. Tenho pensado bastante em morar em uma cidade média por questões de segurança. Na verdade, não de segurança, mas de convívio social, para que minha filha não fique só dentro do prédio. Eu quero que ela conheça os vizinhos, que possa pegar a bicicleta e sair, que não fique aprisionada. Então, acho que a questão fundamental de morar bem é ter liberdade. É isso o que a gente procura.
Créditos: Texto Tatiana Engelbrecht.
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Publicado em: 15/12/2015
Categoria: Arquitetura e cidade