Semeando novas cidades
Aumentar os espaços verdes nas grandes cidades, estimular a ocupação e a revitalização de espaços públicos, estabelecer novas áreas de convívio no perímetro urbano, mudar a relação das pessoas com os alimentos que consomem e facilitar o acesso a produtos frescos. Esses são alguns dos objetivos dos movimentos e organizações que promovem, apoiam e dedicam-se à implantação de hortas urbanas comunitárias. Se, por um lado, a implantação de fazendas urbanas, modelo que prevê o cultivo de alimentos em grande escala nas cidades (leia mais na reportagem “Revolução Verde e Sem Agrotóxicos”) ainda é pouco expressivo no Brasil, por outro, as hortas urbanas vem se demonstrando uma tendência bastante promissora. Em São Paulo, por exemplo, é cada vez maior o número de terrenos antes ociosos ou mal aproveitados convertidos em locais de cultivo de verduras, legumes, temperos, frutas e ervas medicinais.
Um dos maiores impulsionadores do movimento é a rede Hortelões Urbanos. A organização surgiu em 2011, quando as jornalistas e pesquisadoras em alimentação e agricultura Tatiana Achcar e Claudia Visoni decidiram criar um grupo no Facebook para trocar experiências e dicas sobre o plantio doméstico de alimentos. Em pouco tempo, o projeto ganhou força e partiu para a ação.
Criada em 2011, a rede Hortelões Urbanos é uma das principais incentivadoras do cultivo de alimentos em São Paulo e já tem mais de 26 mil seguidores no Facebook. Fotos: reprodução e divulgação
Rede de hortelões
Quatro anos e mais de 26 mil seguidores depois, a rede Hortelões Urbanos já soma seis hortas comunitárias idealizadas em São Paulo. A proposta do grupo é possibilitar às pessoas uma nova forma de vivenciar a cidade e resgatar hábitos esquecidos, como o do cultivo doméstico, seja no próprio quintal ou em terrenos coletivos.
A primeira horta implantada pelos Hortelões Urbanos – e também uma das mais conhecidas – é a da Praça das Corujas, na Vila Beatriz, na zona oeste de São Paulo. Antes de começar a plantar sementes de feijão, mudas de capim-santo, de flor de jade e de muitas outras plantas no terreno de 800 metros quadrados, os organizadores contrataram e financiaram com recursos próprios a análise do solo e da água. Fizeram também um documento com as diretrizes para a manutenção do espaço. Sucesso de crítica e público, a Horta das Corujas já foi até palco de festa de casamento.
A Horta das Corujas, na Vila Beatriz, em São Paulo, foi a primeira horta implantada pelos hortelões urbanos e se tornou tão popular que já foi até palco para uma festa de casamento
Os voluntários da Horta das Corujas usam as redes sociais para se articular e trocar informações sobre o que foi feito e o que há por fazer no espaço. Em cada dia da semana, duas pessoas são responsáveis pela rega. Os participantes compartilham ainda dicas e sugestões de como melhorar o trabalho e orientações para os recém-chegados.
Para provar que até mesmo nos pontos mais caóticos é possível produzir alimentos, os Hortelões Urbanos instalaram uma horta em plena Avenida Paulista. Situada na Praça do Ciclista, entre as estações Consolação e Paulista do metrô, a Horta do Ciclista existe desde 2012 e organiza mutirões para cuidar do espaço no primeiro domingo de cada mês. Quem quiser ajudar, só chegar munido de composto orgânico, folhas secas, pás, enxadas e mudas para plantio de pequeno ou médio porte – e muita disposição.
Instalada em 2012 em plena Avenida Paulista, a Horta do Ciclista organiza mutirões para fazer a manutenção do espaço no primeiro domingo de cada mês
Outro lugar que vale a visita é a horta City Lapa, criada no início de 2014, pela dentista Ana Campana e a nutricionista e colunista do caderno Paladar (Estadão), Neide Rigo. Moradoras do bairro, elas estavam incomodadas com o acúmulo de entulho e a impossibilidade de caminhar pelas calçadas do cruzamento das ruas João Tibiriçá e Barão de Itaúna. Começaram por limpar o terreno e logo ganharam a adesão de outros vizinhos. Hoje, o espaço de 70 m² é a casa de mais de cem espécies, entre plantas alimentícias, medicinais e ornamentais, além de uma caixa de abelhas jataí. Quinze pessoas se revezam para cuidar da horta.
Transformação social
Há ainda projetos como os desenvolvidos pela premiada Cidades Sem Fome, fundada em 2004, pelo administrador de empresas alemão Hans Dieter Temp, que vive há mais de dez anos no Brasil.
A organização não governamental transforma terrenos públicos e particulares em comunidades carentes e vulneráveis da Zona Leste de São Paulo em hortas comunitárias. O projeto busca melhorar a situação precária dos moradores por meio de projetos sustentáveis de agricultura orgânica.
A organização não governamental Cidades sem Fome transforma terrenos públicos e particulares de comunidades carentes na zona leste da capital paulista em hortas comunitárias que alimentam mais de 650 pessoas
O cultivo utiliza técnicas como a compostagem. Nas hortas mantidas pelo projeto, o desperdício é zero. Os pedaços de vegetais e as folhas que sobram são reincorporados ao sistema em forma de adubo orgânico. O rodízio de culturas é outro diferencial. Em um mesmo terreno, são produzidas diversas espécies de vegetais, garantindo melhor aproveitamento de espaço e aumento das defesas naturais das hortaliças contra pragas. Defensivos ou adubos químicos não têm vez.
Desde o início da sua atuação, a Cidades Sem Fome já criou 21 hortas comunitárias, onde trabalham 115 pessoas como agricultores urbanos, o que garante a subsistência de 650 pessoas. O projeto oferece ainda cursos de capacitação que já ensinaram a quase mil participantes como cultivar alimentos orgânicos e comercializar a produção.
Verde nas alturas
Há três anos, a direção do Shopping Eldorado decidiu reagir com produtividade aos quase 400 quilos de lixo orgânicos gerados diariamente na sua praça de alimentação. A solução encontrada foi criar uma horta no telhado do edifício. Hoje, em uma área de 2,5 mil metros quadrados são cultivados, sem agrotóxico, legumes, frutas, verduras, ervas aromáticas e plantas medicinais. Toda a produção é consumida pelos funcionários do shopping. Mensalmente, cerca de dez toneladas de lixo orgânico são transformadas em adubo para a plantação, deixando de ir para os aterros sanitários. Os lixos orgânico e reciclável são separados e enviados a estações de tratamento diferentes.
Para reaproveitar os quase 400 quilos de lixo orgânico gerados diariamente na sua praça de alimentação, o Shopping Eldorado começou a cultivar alimentos em uma área de 2,5 mil m² no telhado
O shopping pretende ampliar a iniciativa e chegar a seis mil metros quadrados de área cultivada em breve. A horta também ajudou a reduzir a temperatura no interior do prédio, diminuindo a quantidade de água usada nos equipamentos de refrigeração de ar.
De bem com a cidade
Pensado para traduzir em sua arquitetura a personalidade dos moradores e estabelecer uma relação amigável e de troca com a cidade, o empreendimento Huma Itaim, no Itaim Bibi, também terá uma horta comunitária e árvores frutíferas na marquise multiuso do prédio. Os cuidados da horta ficarão a cargo de um funcionário do condomínio. Todos os moradores terão acesso aos alimentos que forem produzidos.
Projetada por Marcelo Noronha, engenheiro agrônomo especializado em hortas urbanas, a horta do Huma Itaim terá irrigação feita por um sistema de gotejamento, que ajuda a economizar água. Já as variedades a serem plantadas foram escolhidas com base em fatores como localização do empreendimento e insolação. Todo o adubo será produzido com os resíduos orgânicos gerados pelos próprios moradores, enquanto as mudas para reposição serão cultivadas no viveiro.
Com projeto inovador, o Huma Itaim, no Itaim Bibi, terá uma horta e árvores frutíferas na marquise multiuso: todos os moradores terão acesso ao que for produzido. O empreendimento contará ainda com café e pocket park
Assinado pelo premiado escritório Una Arquitetos, o empreendimento terá ainda um pocket park (minipraça) no térreo aberto ao público e calçadas largas e arborizadas, entre outras soluções inovadoras. O resultado é um espaço mais generoso para os moradores e também para São Paulo.
Da horta para a mesa
Quem também abraçou há tempos a proposta de cultivar alimentos como forma de melhorar a qualidade do que é levado à mesa são os chefs. Dentro e fora do Brasil, talentos que comandam cozinhas premiadas têm militado em favor do incentivo à agricultura familiar e orgânica e pela necessidade de conhecer a origem daquilo que consumimos.
Nessa empreitada, muitos desses profissionais optaram por cultivar no jardim, no terraço, no quintal e até no telhado vários ingredientes que compõem seus menus. Um exemplo é o espanhol Joan Roca, chef e proprietário do restaurante número um no ranking dos 50 melhores do mundo, o El Celler Can Roca, em Girona. Joan mantém há anos uma variada e produtiva horta não só no seu restaurante como também em casa.
Proprietário do restaurante número um no ranking dos 50 melhores do mundo, o El Celler Can Roca, em Girona, o chef espanhol Joan Roca mantém há anos uma horta em casa e outra no restaurante
Outro cozinheiro apaixonado por sua horta é o inglês Jamie Oliver, que inaugurou a primeira unidade de seu Jamie’s Italian em São Paulo em 2015. O chef, que costuma dizer que “a vida é muito curta para comer porcaria”, optou por um estilo mais selvagem ao montar seu espaço de cultivo, em Londres, que hoje exige cuidados diários de três funcionários e fornece alimentos como tomates de diferentes espécies e cenouras multicoloridas para vários de seus restaurantes.
Os alimentos cultivados por Jamie Oliver em Londres exigem cuidados de três funcionários e são usados em vários restaurantes comandados pelo chef
Em São Paulo, o restaurante Tuju, na Vila Madalena, abriu mão do jardim para ter uma horta própria. São mais de 300 espécies, com direito até a um hortelão residente. A produção ali é vasta e variada. Tem jambu, capuchinha, milho, ervilha, azedinha e muito mais. Tudo devidamente aproveitado e transformado pelas mãos habilidosas do chef Ivan Ralston, que pratica uma cozinha de autor e de produto.
O restaurante paulistano Tuju, na Vila Madalena, abriu mão do jardim em nome de uma horta onde cultiva mais de 300 espécies, distribuídas entre a entrada, o jardim e a estufa
Faça parte
Se você ficou vontade de ser voluntário em uma horta comunitária, de começar uma horta no seu bairro ou então de cultivar alimentos em casa, as redes sociais são uma ótima forma de obter informação sobre o tema. Um bom começo pode ser a página dos Hortelões Urbanos no Facebook.
Outra ferramenta interessante é a plataforma Cidades Comestíveis. Idealizada pelo MUDA SP – Movimento Urbano de Agroecologia, a ferramenta busca ampliar o número de hortas urbanas em São Paulo por meio de um sistema interativo e aberto (opensource) e de um aplicativo que conecta áreas ociosas, tanto públicas quanto privadas, com interessados em cultivar hortaliças, legumes, frutas, temperos e plantas medicinais.
A plataforma Cidades Comestíveis foi idealizada pelo MUDA SP, movimento que promove iniciativas voltadas à valorização da agricultura familiar e à reconexão das pessoas com a natureza
Com dicas úteis também para quem quer começar uma plantação em casa, a plataforma permite a troca colaborativa de sementes, compostos, mudas, insumos e informações necessários à produção agrícola na cidade. Há também um guia com dez passos para a criação de uma horta comunitária e orientações sobre como se articular junto à prefeitura para que a iniciativa seja reconhecida e possa florescer sem empecilhos.
Créditos: Texto Tatiana Engelbrecht.
Posts relacionados
Publicado em: 15/12/2015
Categoria: Consumo consciente